21 mar
2015

Da proibição de evocar os mortos

Capítulo XI

Livro – O Céu e o Inferno

Allan Kardec

Allan Kardec

Allan Kardec

Item 12Aqui se apresenta outra dificuldade. Se as almas que estão na beatitude não podem abandonar a sua morada feliz para socorrer os mortais, porque a Igreja invoca a assistência dos santos, que devem gozar da maior soma possível de beatitude? Porque aconselha ela aos fiéis que os invoquem nas doenças, aflições e para se preservarem dos flagelos? Porque, segundo ela, os santos, a própria Virgem mostram-se aos homens através de visões e fazem milagres? Eles deixam, então, o céu para vir a Terra. Se esses Espíritos que se encontram no mais alto dos céus podem deixá-lo, por que motivo os que estão mais em baixo não o poderiam?

Item 13Que os incrédulos neguem a manifestação das almas, isso se concebe em razão da sua própria descrença. Mas o que estranha é ver aqueles cuja a crença repousa precisamente na existência da alma e no seu futuro, se encarniçarem contra os meios de se provar que ela existe, esforçando-se por demonstrar que isso é impossível. Pareceria natural, ao contrário, que os que tem maior interesse na sua existência aceitassem com alegria e como uma graça da Providência o aparecimento dos meios de confundir os negadores por provas irrecusáveis, desde que são eles os negadores da própria religião.

Deploram essas pessoas, incessantemente, a propagação da incredulidade que aniquila o rebanho de fiéis, mas quando se lhes apresenta o mais poderoso meio de combatê-la, repelem-nos com mais obstinação do que os próprios incrédulos. Depois, quando as provas se multiplicam a ponto de não deixarem nenhuma dúvida, recorrem como argumento supremo à proibição de tratar do assunto, e procuram para justificá-la um artigo da lei de Moisés de que ninguém se lembrava e ao qual pretendem dar, de qualquer maneira, uma aplicação que não pode ter. E ficam muito felizes com essa descoberta, sem perceberem que esse mesmo artigo constitui uma justificação da Doutrina Espírita.

Item 14Todos os motivos alegados contra as relações com os Espíritos não podem suportar um exame sério. Do próprio empenho com que se entregam a essa luta pode-se deduzir que a questão envolve grandes interesses, pois do contrário não haveria tamanha insistência. Ao ver esta cruzada de todos os cultos contra as manifestações, poderíamos dizer que eles estão atemorizados. O verdadeiro motivo poderia ser o temor de que os Espíritos, demasiado clarividentes, viessem esclarecer os homens sobre os pontos que eles tentam manter na obscuridade, fazendo os homens conhecerem de maneira precisa o que se refere ao outro mundo e às verdadeiras condições para nele serem felizes ou infelizes.

É por isso que, da mesma maneira que se diz a uma criança: Não vá lá porque existe um lobisomem, dizem aos homens: Não evoqueis os Espíritos, pois quem atende é o Diabo. Mas não haverá dificuldade: se proibirem aos homens de evocar os Espíritos, não poderão impedir os Espíritos de virem até os homens para tirar a lâmpada debaixo do alqueire.

O culto religioso que estiver de posse da verdade absoluta nada terá a temer da luz, porque a luz fará ressaltar a verdade e o demônio não poderia prevalecer contra a verdade.

Item 15Repelir as comunicações de além-túmulo seria rejeitar o poderoso meio de instrução que resulta da iniciação no conhecimento da vida futura e dos exemplos que elas nos fornecem. A experiência nos ensina, além disso, como podemos fazer o bem desviando do mal os Espíritos imperfeitos, ajudando os sofredores a se libertarem da matéria e a se melhorarem, e proibir isso seria privar as almas infelizes da assistência que lhes podemos dar. A seguinte comunicação de um Espírito resume admiravelmente os efeitos da evocação, quando praticada com uma finalidade caridosa:

Imagem Internet

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Cada Espírito sofredor e desesperado vos contará a causa de sua queda, os arrastamentos a que não resistiu, e vos dirá das suas esperanças, das suas lutas, dos seus terrores. Ele vos dirá também dos seus remorsos, das suas dores, dos seus desesperos, e vos mostrará Deus, justamente irritado, punindo o culpado com toda a severidade da sua justiça.

Ao escutá-lo, sereis movidos de compaixão por ele e de temor por vós mesmos. Ao seguir os seus lamentos, vereis Deus não o perdendo de vista, esperando o pecador arrependido, abrindo os braços tão logo ele comece a avançar em sua direção. Vereis os progressos do culpado, para os quais tereis a felicidade e a glória de haver contribuído. Acompanhareis com solicitude a sua reforma; como o cirurgião acompanha a cicatrização da ferida de que cuida diariamente. (Bordeus, 1861).*

*Proibir as relações do homem com o mundo invisível é um contrassenso e revela ignorância da natureza humana e da própria História Universal. Em todos os tempos, desde os primitivos, como atestam de maneira inegável as pesquisas paleontológicas, arqueológicas, antropológicas, etnológicas e históricas, os homens mantiveram relações com entidades espirituais, sempre considerando-as humanas, diabólicas e divinas. O que são as religiões senão as formas institucionalizadas dessas relações? O que é a Bíblia, no seu conjunto e em cada um dos seus livros, senão um testemunho maciço e imponente dessa realidade inegável? E poderemos acaso negar que os próprios Evangelhos testemunharam esse fato e nos instruem a respeito da maneira por que devemos proceder nessas relações? (veja-se I Coríntios, cap. 12 e I João 4: 1-6).

Ernesto Bozzano

Ernesto Bozzano

O prof. Ernesto Bozzano, apoiado especialmente em pesquisas etnológicas de Adrew Lang e Max Freedon Long, em seu livro Popoli primitivi e manifestazione supernomale, formulou a tese da origem mediúnica das religiões. Os fundamentos dessa tese são científicos e filosóficos. As pesquisas metapsíquicas e parapsicológicas vem confirmando a sua validade ao provarem que as funções psi (ou mediúnicas) são uma faculdade humana natural. Os avanços da Ciência em nosso tempo, e particularmente os da Física – revelação da estrutura atômica da matéria, descoberta da antimatéria e aceitação teórica da existência do antiuniverso – ampliam no plano físico as consequências das investigações psicofisiológicas. É hoje inegável que vivemos num Universo fechado pelas limitações de nossas percepções sensoriais, mas que se abre ante as possibilidades da percepção extrassensorial e dos novos recursos da Ciência para penetrar nos arcanos da Natureza.

Quando Pasteur descobriu o mundo invisível dos micróbios teve de lutar contra a ignorância dos doutos e sábios do tempo. Kardec é o Pasteur do Espírito – descobriu o mundo invisível dos espíritos e demonstrou que estes, à maneira das bactérias, dividem-se em benéficos e maléficos, podendo produzir infestações (que são infecções espirituais) ocasionando doenças mentais e orgânicas. Contra ele se levantaram da mesma maneira os doutos e os sábios do tempo, mas ainda mais fortemente apoiados pelos clérigos e teólogos das religiões dominantes do que no caso de Pasteur. A luta era mais difícil, porque contra Kardec se conjugavam preconceitos, superstições e interesses materiais muito maiores e mais arraigados. Mas mesmo assim a verdade não pôde ser abscurecida.

Mas deixando de lado a questão científica – e também a questão  filosófica, a que nem nos referimos aqui – para tratar da questão religiosa, que é o assunto deste livro, podemos assegurar que a condenação de Moisés, erroneamente aplicada ao Espiritismo, redundaria na eliminação pura e simples de todas as religiões. Porque todas elas, desde as primitivas até a mais culturalmente refinadas, apoiam-se na relação do homem com o mundo invisível e dela se alimentam. Os fatos espíritas estão na raiz e na seiva da Religião, que tem sua origem na Revelação e se desenvolve graças à seiva mediúnica da permanente comunicação dos homens com os espíritos.

A evocação – contra a qual se levantam os maiores Protestos – é também um constante na historia, na teoria e na prática das religiões. Como Kardec explica, basta pensarmos num espírito para evocarmos. Mas isso não o obriga a atender-nos. Os espíritos são mais livres do que nós, os encarnados, e a evocação é um simples apelo, nunca uma tentativa mágica de sujeitar o espírito ao homem. Ao contrário disso, há práticas religiosas em nosso tempo que pretendem sujeitar o próprio Deus às exigências formalistas e convencionais de um sacerdote. proibir essas práticas seria mais fácil, porque são criações humanas e dependem apenas dos homens, mas proibir as evocações espíritas e as manifestações espontâneas que se dão por toda parte através da mediunidade é impossível, porque estas dependem dos espíritos, que não estão ao alcance das determinações humanas.

Além disso é preciso considerar o problema da evolução espiritual do homem, que cada dia mais se aproxima dos espíritos, abrindo-lhe as possibilidades da percepção extrassensorial. Rompendo a clausura dos sentidos,  a rede do sensório orgânico, o homem de hoje aumenta cada vez mais, e com evidente aceleração evolutiva, as suas possibilidades de comunicação com o mundo invisível. Os dois planos da vida humana – o visível e o invisível – tornam-se mais próximos e se familiarizam na proporção em que a alma (espírito encarnado) aguça as suas faculdades para uma percepção mais dinâmica e real do mundo em que vive.

2 Comentários

  • Maravilhoso, palavras lindas, explicações excelentes.
    Como é bom ler um texto com tanta claridade, compreensão e amor.

    Saudações!

    Ana

  • Palavras bonitas, explicações excelentes.

    Ana

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