17 fev
2012

Espírito não tem cor

Comentário a nota em :

http://www.conjur.com.br/2011-mai-31/livro-espirita-allan-kardec-nao-recolhido-decide-juiz-federal

Marcus Braga - arquivo VE

O corpo sim….Assim como a máxima “espírito não tem sexo” oculta várias discussões sobre sexualidade e gênero e a máxima “espírito não tem idade” desconsidera questões sociais da juventude e da infância, a máxima título desse texto acaba por servir ao mesmo propósito. Abstrair a questão do espírito, como uma coisa neutra, amorfa, quase um anjo etéreo é perigoso. A grande inovação da obra Nosso Lar de Francisco Cândido Xavier foi mostrar a vida espiritual em um plano concreto, real. O espírito e a matéria não são coisas isoladas, pois na vida encarnada o espírito se relaciona diretamente com o mundo material, não em uma oposição, mas em uma relação complexa e orgânica.
Esse intróito é para mostrar que a questão do racismo, atualmente em ampla discussão por força da questão das cotas das universidades e de outras questões correlatas, também merece uma discussão no campo do espiritismo. O racismo, o preconceito, as guerras por razões étnicas são construções sociais de processos históricos longos e dolorosos. O nosso país vivenciou séculos de escravidão, em um processo de libertação dos escravos que não foi acompanhado de uma integração dessa massa de indivíduos, relegando a eles a pobreza e a discriminação pelas suas práticas culturais, tendo sido perseguidas pela polícia a capoeira e as religiões de matrizes africanas.
Impossível negar essa realidade. A cor da pele representou e representa forma de dominação de de superioridade entre pessoas, em assim como foram as construções religiosas que movimentaram e movimentam guerras.

Sobre o assunto da decisão do juiz denegando o recolhimento de Obras Póstumas, vejo que a decisão do Juiz Federal foi sábia. Essa questão, infelizmente, não é tão simples…O Racismo está presente sim em várias obras literárias, por ser uma situação que foi aceita e estimulada pelo senso comum, inclusive em nosso país, desde longa data. Não é a primeira vez que uma obra clássica é arrolada nessa situação, como em :

http://www.diggs.com.br/clipping/o-caso-do-caso-dos-dez-negrinhos/ e mesmo a recente do Monteiro Lobato, onde repasso interessante Nota do CNE sobre a questão, com um posicionamento bem coerente. Vale a pena a leitura…

Não podemos varrer essa questão para baixo do tapete. Sobre isso, vale a leitura de interessante artigo de nosso amigo Jorge Hessen:

http://orebate-jorgehessen.blogspot.com/2009/03/kardec-racismo-e-espiritismo-uma.html

Obviamente, essas assertivas não desmerecem a figura de Allan Kardec, que pregou em seus textos a igualdade. Mas, não podemos nos esquecer que Kardec era um ser humano, um homem do seu tempo, imerso em um contexto social. Sair disso, é procurar santos encarnados.

Se julgássemos as obras básicas livros sagrados e imutáveis, escritas por seres atemporais e perfeitos, seríamos católicos e não espíritas. Kardec vivia em uma sociedade com valores e com uma visão de mundo e isso obviamente se expressa nos seus comentários. A afirmativa na Revista Espírita”, em outubro de 1861, é esclarecedora na questão de taxar o Codificador como racista:
“O Espiritismo, restituindo ao espírito o seu verdadeiro papel na criação, constatando a superioridade da inteligência sobre a matéria, apaga naturalmente todas as distinções estabelecidas entre os homens segundo as vantagens corpóreas e mundanas, sobre as quais só o orgulho fundou as castas e os estúpidos preconceitos de cor.”
Considerando-se ainda trechos das obras básicas reforçam o combate ao racismo:
Com a reencarnação, desaparecem os preconceitos de raças e de castas, pois o mesmo Espírito pode tornar a nascer rico ou pobre, capitalista ou proletário, chefe ou subordinado, livre ou escravo, homem ou mulher. De todos os argumentos invocados contra a injustiça da servidão e da escravidão, contra a sujeição da mulher à lei do mais forte, nenhum há que prime, em lógica, ao fato material da reencarnação. Se, pois, a reencarnação funda numa lei da Natureza o princípio da fraternidade universal, também funda na mesma lei o da igualdade dos direitos sociais e, por conseguinte, o da liberdade”. (A Gênese).
Ou ainda no Evangelho Segundo o Espiritismo, no texto “O Homem de bem”, quando diz: “O homem de bem é bom, humano e benevolente para com todos, sem distinção de raças, nem de crenças, porque em todos os homens vê irmãos seus”.
           Essa questão se o pensamento de Kardec no século XIX tinha traços de racismo no século XXI é inócua, principalmente por não ser esse para nós um profeta infalível, considerando que o espiritismo superou esse modelo beatrificador. Kardec era um homem de seu temo e que rompeu com vários modelos daquela época. O que não pode, e essa é a questão central desse texto, somos nós espíritas, por qualquer motivo, sustentarmos práticas que inferiorizem indivíduos pela cor da sua pele e ignorar que essa discriminação é um fato vivo, social e construído, ocultando-se na neutralidade de um espírito sem cor.
A questão do racismo deve ser pauta de nossos estudos, das discussões da juventude e deve ser entendida como uma expressão do orgulho. O espiritismo deve apregoar a compreensão entre as manifestações culturais e religiosas, dentro da visão que não serão essas questões que nos serão “cobradas” no retorno a espiritualidade.
Confesso que o momento atual é de exaltação e que algumas manifestações soam agressivas quanto a questão do racismo. Mas, é normal por ser uma questão da pauta nacional e que envolve um processo de segregação e de dor arrastado por gerações. Mas, isso não nos exime da questão do preconceito, lembrando que a luta contra o racismo é a luta contra as diferenças e não a construção de diferenças.
Por fim, longe de esgotar o assunto, que visivelmente carece de produção literária na seara espírita, fica a questão de revisarmos a nossa vivência, o nosso discurso e acharmos ali o racismo escondido, essa visão não-universalista do mundo e das pessoas. Esconder-se dessa questão, jamais….

Abs,

Por nosso amigo , leitor e colaborador Marcus Vinicius de Azevedo Braga

 

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NOTA DO CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO

REEXAME DO PARECER 15/2010

Em setembro de 2010, a Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação aprovou, por unanimidade, o parecer 15/2010 com orientações às políticas públicas para uma educação antirracista, no qual se fez uma referencia ao livro “Caçadas de Pedrinho”, de Monteiro Lobato.

A reação de setores da sociedade levou a Câmara de Educação Básica a aprofundar as bases do parecer, no sentido de ressaltar a importância da contextualização crítica do autor e da obra literária, sobretudo nas novas edições de livros considerados clássicos, produzidos em outro contexto no qual pouco se falava e se reconhecia a existência do racismo e do preconceito racial.

O Conselho Nacional de Educação entende que, assim como é importante o contexto histórico em que se produziu a obra literária, tão ou mais importante é o contexto histórico em que se produz a leitura dessa obra.

Nos termos do voto da relatora, conselheira Nilma Lino Gomes  : “É responsabilidade dos sistemas de ensino e das escolas identificar a incidência de estereótipos e preconceitos garantindo aos estudantes e a comunidade uma leitura crítica destes de modo a se contrapor ao impacto do racismo na educação escolar. É também dever do poder público garantir o direito à informação sobre os contextos históricos, políticos e ideológicos de produção das obras literárias utilizadas nas escolas, por meio da contextualização crítica destas e de seus autores.

Uma sociedade democrática deve proteger o direito de liberdade de expressão e, nesse sentido, não cabe veto à circulação de nenhuma obra literária e artística. Porém, essa mesma sociedade deve garantir o direito à não discriminação, nos termos constitucionais e legais, e de acordo com os tratados internacionais ratificados pelo Brasil.

Reconhecendo a qualidade ficcional da obra de Monteiro Lobato, em especial, no livro Caçadas de Pedrinho e em outros similares, bem como o seu valor literário, é necessário considerar que somos sujeitos da nossa própria época e responsáveis pelos desdobramentos e efeitos das opções e orientações políticas, pedagógicas e literárias assumidas no contexto em que vivemos.Nesse sentido, a literatura, em sintonia com o mundo, não está fora dos conflitos, das hierarquias de poder e das tensões sociais e raciais nas quais o trato à diversidade se realiza”.

Brasília, 01/06/2011.

 

1 Comentário

  • O racismo e o preconceito racial ainda é uma mancha escura que suja a nossa sociedade,portanto oremos a Deus e a Jesus para que em breve novas revelações de verdades para todos,para que reconheçamos que somos todos irmãos e que aja uma fraternidade universal. Muita paz.

Então, O que achou?